Tuesday, April 28, 2015

Ostara

Me disse que já queria ir porque o vazio de instantes
lhe causaria ainda maior pavor que não viver o restante 
dos dias em casa.

Após um longo período andarilhante
Além d'lá

Ferida,
cansada,
queria molhar os pés na água
Pôr a cabeça ao vento
toda ao salitre do mar


Não faz nem tanto tempo,

e era isso que sempre fazia
Às tardes, ao relento
À lira
Óh tempo!


O tempo lhe trouxe de volta.

Cá estava aspergida
"espairante"

Lívida
como nunca antes.

Nasceu
Cresceu
Brilhou

E Atingiu seu "inalcançante" pulsar

Continuaria ali,

no céu,
brilhando 
como a Alma
que sempre lhe pedira.

Á noite, lá
 ela

está.

Friday, April 17, 2015

RASCUNHO - Alfa e ÔMEGA

O esboço das camadas de mim transpareciam em seus olhos.

Sim.
Sou contorno.
Extrato Forte.

Insana.
Insônia.

Sou isso sim!

Eu
Sou.


O motivo de suas patas imundas ainda tocarem o chão.
A fonte de luz que te traz alusão
A clave de sono na escuridão

O fogo do ápice trazida à paixão
A podreira da mente que transgride o Santo Graal 

A imensidão do seu minúsculo ser.


Eu
Sou.





Wednesday, April 15, 2015

Apenas um cão



Cecília Meireles

Subidos, de ânimo leve e descansado passo, os quarenta degraus do jardim – plantas em flor, de cada lado; borboletas incertas; salpicos de luz no granito eis-me no patamar. E aos meus pés, no áspero capacho de coco, à frescura da cal no pórtico, um cãozinho triste interrompe o seu sono, levanta a cabeça e fita-me. É um triste cãozinho doente, com todo o corpo ferido; gastas, as mechas brancas do pêlo; o olhar dorido e profundo, com esse lustro de lágrima que há nos olhos das pessoas muito idosas.

              Com grande esforço, acaba de levantar-se. Eu não lhe digo nada; não faço nenhum gesto. Envergonho-me haver interrompido o seu sono. Se ele estava feliz ali, eu não devia ter chegado. Já que lhe faltavam tantas coisas, que ao menos dormisse: também os animais devem esquecer, enquanto dormem... Ele, porém, levantava-se e olhava-me. Levantava-se com a dificuldade dos enfermos graves, acomodando as patas da frente, o resto do corpo, sempre com os olhos em mim, como à espera de uma palavra ou de um gesto. Mas eu não o queria vexar nem oprimir. Gostaria de ocupar-me dele: chamar alguém, pedir-lhe que o examinasse, que receitasse, encaminhá-lo para tratamento... Mas tudo é longe, meu Deus, tudo é tão longe. E era preciso passar. E ele estava na minha frente, inábil, como envergonhado de se achar tão sujo e doente, com o envelhecido olhar numa espécie de súplica.

              Até o fim da vida guardarei seu olhar no meu coração. Até o fim da vida sentirei esta humana infelicidade de nem sempre poder socorrer, neste complexo mundo dos homens. Então, o triste cãozinho reuniu todas as suas forças, atravessou o patamar, sem nenhuma dúvida sobre o caminho, como se fosse um visitante habitual, e começou a descer as escadas e as suas rampas, com plantas em flor de cada lado, as borboletas incertas, salpicos de luz no granito, até o limiar da entrada. Passou por entre as grades do portão, prosseguiu para o lado esquerdo, desapareceu.

              Ele ia descendo como um velhinho andrajoso, esfarrapado, de cabeça baixa, sem firmeza e sem destino. Era, no entanto, uma forma de vida. Uma criatura deste mundo de criaturas inumeráveis. Esteve no meu alcance, talvez tivesse fome e sede: e eu nada fiz por ele; amei-o, apenas, com uma caridade inútil, sem qualquer expressão concreta. Deixei-o partir, assim, humilhado, e tão digno, no entanto; como alguém que respeitosamente pede desculpas por ter ocupado um lugar que não era o seu. Depois pensei que nós todos somos, um dia, esse cãozinho triste, à sombra de uma porta. E há o dono da casa e a escada que descemos, e a dignidade final da solidão.